sexta-feira, 5 de julho de 2013

EM BUSCA DO VERDADEIRO SENTIDO DO ESPORTE COMO VALORIZAÇÃO À VIDA

Jean Gaspar

O ciclo normal da existência humana se completa quando atravessamos todas as cenas dessa peça teatral a que chamamos de vida. A analogia não é nova. Foram os renascentistas que resgataram essa perspectiva acerca do mundo dos estoicos gregos e a nomearam como Theatrum mundi. Afinal, diferentemente de outros animais, nascemos totalmente desprovidos de competências para sobreviver por nossa própria conta e dependemos dos outros para nos tornarmos seres humanos. Atravessamos a inocência da infância, as descobertas da adolescência, a plenitude da vida adulta, o labor da maturidade, a crescente sabedoria da velhice. A certeza da morte é compensada pela esperança da ressurreição ou pelo sentimento de dever cumprido nessa vida. Quando esse ciclo se interrompe precocemente, o sentimento que prevalece é a desolação, a desesperança, o desespero.

Foi esse o sentimento que dominou a nação brasileira quando acompanhamos a tragédia de Santa Maria, no final de janeiro, que vitimou centenas de universitários, em um incêndio numa boate local. Mais de 200 jovens tiveram suas vidas ceifadas justamente quando se reuniam para comemorar a alegria de viver e compartilhar as lembranças das férias escolares e os sonhos para o ano que apenas começava. 

As falhas na organização e na segurança do local provocaram desde comoção até revolta pelos erros humanos envolvidos. A proporção do acontecimento e a sua repercussão no mundo inteiro serviram para chamar a atenção sobre o valor da vida de cada ser humano e sobre as responsabilidades de cada um de nós em preservá-la e valorizá-la, pois nada pode estar acima da vida. Vê-se, em todo o país, uma grande mobilização atrasada em prol da fiscalização de estabelecimentos públicos. Já não era sem tempo. Cabe a nós, cidadãos, darmos continuidade a este processo de conscientização e vigilância. 

Menos de um mês depois de Santa Maria, outro drama nos abate, com a morte do menino Kevin Douglas Beltrán Espada, de 14 anos, ao ser atingido por um sinalizador disparado por torcedores no Estádio Jesús Bermudez, numa partida entre San José e Corinthians, pela Copa Libertadores da América, na cidade de Oruro, na Bolívia. O que era para ser um jogo – há de se rever este conceito –, uma festa, tornou-se uma tragédia.


Competição esportiva não tem nada a ver com desrespeito aos adversários. Nada a ver com pôr em risco a vida humana. Nada a ver com o verdadeiro sentido de ser torcedor de um time, fã de um artista, seguidor de uma igreja ou partidário de uma facção política. Tanto no esporte, como na arte, na religião ou na política, o respeito à vida é um bem maior, acima de nossas preferências pessoais. Respeitar as diferenças é o que nos faz, de fato, sermos humanos. Tão triste como a morte prematura do jovem Kevin, é vermos que fanatismos e atos impensados nos ameaçam não apenas como indivíduos, mas como sociedade civilizada. 

Perdeu-se o mais profundo sentido do esporte. Rompeu-se o ciclo normal da vida. A beleza e alegria da partida futebolística foram ofuscadas pela amargura e tristeza. Diante de um infortúnio como esse, podemos perguntar se vale a pena o desporto-rei, ecoando Manoel Sergio quando ele nomeia o futebol, continuar com suas práticas estabelecidas em alicerces meramente financeiros, excludentes e competitivos. Ou se não é o momento de, por outro lado, resgatarmos o verdadeiro sentido do jogar, que nos propõe o trabalho coletivo, a inclusão, a integração, a diversão, o respeito, o estar com o outro.

Mas, diante de fatos como este, até mesmo o mais adormecido dos vivos acorda. É hora de a responsabilidade ocupar o seu devido lugar. É hora de repensarmos no valor da vida e no nosso papel para que o ciclo normal se cumpra com todas as cenas previstas no roteiro original da peça teatral. Para que possamos, ao final, aplaudirmos, não como expectadores passivos, mas como atores ativos no caminhar da humanidade.

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