quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O TEATRO PARA ALÉM DA REPRESENTAÇÃO DA VIDA

 Jean Gaspar

No Brasil, comemora-se o Dia do Teatro em 19 de setembro. Internacionalmente, a data escolhida pelo Instituto Internacional de Teatro, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, é 27 de março.  O importante é a oportunidade de refletirmos sobre o papel das artes do espetáculo para a cultura e para a cidadania.

Em relação à sua origem, não se sabe exatamente quando o teatro surgiu. Mas certamente é uma das mais antigas formas de arte. Segundo estudiosos, no princípio, era uma manifestação de questões cotidianas, um rito de celebração e agradecimento. Tinha também um caráter de exorcização de maus espíritos.

Sua popularização se deu na Grécia Antiga e tinha o intuito de representar lendas e mitos relacionados a heróis e deuses. Foi quando surgiu a comédia e a tragédia clássicas que se popularizaram até os dias de hoje. Naquela época, os atores representavam usando máscaras e, muitas vezes, havia cenário no local da apresentação.

Sêneca, um dos mais célebres advogados, escritores e intelectuais do Império Romano, romanizou as personagens trágicas e deu-lhes a formação filosófica e retórica de seus contemporâneos. Shakespeare levou ao teatro inglês as manifestações humanas mais profundas, mantendo na tragédia o conflito que termina em catástrofe, além de criar os mais influentes personagens de toda história e é considerado um dos maiores escritores de todos os tempos. Suas obras são carregadas de reflexões e permanecem tão relevantes quanto na época em que foram escritas.

Não só no Ocidente o teatro se faz presente. Outras civilizações antigas, como as do Egito, Índia, Japão, Coréia e China também se manifestavam por meio de representações em seus templos e encenavam com a finalidade religiosa de exaltar divindades de sua mitologia.

Apesar de diferentes características dessas representações de cada povo, o papel era o mesmo: expressar sentimentos do ser humano frente à vida. O homem sempre teve a necessidade de representar suas tristezas, angústias e alegrias. Ao ver uma peça, o espectador sente o mesmo que o personagem, assim expurgando esses sentimentos. A isso damos o nome de catarse, ou seja, o meio no qual o homem purifica sua alma por meio da representação trágica.

A palavra "teatro" deriva dos verbos gregos "ver, enxergar", lugar de ver, ver o mundo, se ver no mundo, se perceber, perceber o outro e a sua relação com o outro. Na realização de cenas dramáticas destaca-se o exercício de fazer de conta, fingir, imaginar ser outro, criar situações imaginárias, etc. São atitudes essencialmente dramáticas criadas pelo homem para desenvolver habilidades, capacidades e provir sua existência.

Atuamos todos os dias, em casa, na escola, no trabalho, assumimos papeis sociais constantemente em nossas vidas, como o de pai, mãe, filho, aluno, professor, de acordo com o ambiente. Somos personagens sociais reais. A atuação é o meio pelo qual nos relacionamos com o outro. O processo dramático é considerado um dos mais vitais para os seres humanos. O teatro estimula o indivíduo no seu desenvolvimento mental e psicológico. É também instrução, mas considerar isso como a essência teatral corresponde a desconhecer suas múltiplas manifestações.

O teatro essencialmente tem uma função estética. Aristóteles, o primeiro a analisar e explicitar a composição narrativa, inicialmente nas tragédias gregas, desenvolveu o conceito de mimesis, deixando claro que a imitação e, não apenas a ação, é uma das paixões que movem o homem, modificando o entendimento da função de catarse que, por meio da identificação com a trama e seus personagens, o espectador seria capaz simplesmente de expressar seus sentimentos. Dessa perspectiva, o teatro permite que a plateia repense seu estar no mundo.

Dada a sua importância social, as artes cênicas merecem atenção de nossos governantes e legisladores. A sociedade brasileira deve ser incluída na formulação das políticas públicas para as artes cênicas, musicais e visuais.

Vimos, nos últimos anos, grandes avanços na área, como a reforma da Lei Rouanet, com o reconhecimento da responsabilidade do Estado para com a Cultura, que se deve traduzir em muitas ações estruturantes, mas, principalmente, no investimento de recursos próprios de seu orçamento para o financiamento da área.

Comemoramos a previsão do deslocamento da base desse investimento que se concentrava exclusivamente no incentivo fiscal (mecenato) para o fomento direto (fundo orçamentário regido por editais), por meio de um Fundo Nacional de Cultura mais robusto e criterioso. Além da comemoração pela criação, em março deste ano, no Congresso Nacional, de uma Comissão para cuidar exclusivamente de Cultura, desvinculada da Educação.

Mas ainda há muito o que se realizar para estimular a produção cultural nacional e local. Na Assembleia Legislativa de São Paulo, entretanto, há uma única comissão permanente para as duas áreas. A cultura acaba ficando espremida frente à densa pauta da educação. Precisamos de uma Frente Parlamentar de Cultura, a exemplo do Distrito Federal, que deu origem a uma comissão de cultura permanente. A cultura merece ter um patamar legislativo em São Paulo.

Que nossos legisladores coloquem-se acima das disputas partidárias e voltem seus olhos e atenções, nesse Dia Nacional do Teatro, à necessidade do estabelecimento de diretrizes e metas culturais para o Brasil em todas as esferas: federal, estadual e municipal. O setor cultural precisa sair do plano do supérfluo e ganhar a importância que lhe é devida.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

Jean Gaspar

A capacidade de ler e escrever e de utilizar a leitura e a escrita nas diferentes situações do cotidiano são, sem dúvida, necessidades inquestionáveis tanto em termos individuais, para o pleno exercício da cidadania, quanto em termos sociais e políticos, para o desenvolvimento da sociedade.
 
Dada a sua importância, a Organização das Nações Unidas instituiu o dia 8 de setembro como o Dia Mundial da Alfabetização, com o objetivo de combater o analfabetismo e as consequentes desigualdades de um mundo globalizado. A promoção da alfabetização deve ser uma luta constante, tendo em vista conquistas como a paz, a erradicação da pobreza e a democratização.
 
É um dever do Estado garantir o acesso de todos os cidadãos ao direito de aprender a ler e a escrever, pois este é uma das formas de inclusão social, cultural e política e de construção da democracia.
 
Apesar da redução no número de analfabetos, o Brasil ainda está longe de poder comemorar neste 8 de setembro. O Indicador do Alfabetismo Funcional (Inaf) 2011-2012, divulgado em julho do ano passado, mostrava que, embora a escolaridade média do brasileiro tenha melhorado nos últimos anos, a inclusão no sistema de ensino não representou aumento significativo nos níveis gerais de alfabetização da população. São quase 13 milhões de pessoas analfabetas, segundo o relatório de 2012 da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), organizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) com base em dados de 2011. O Brasil tem uma dívida com sua população.

É dever do Estado garantir o acesso de todos os cidadãos ao direito de aprender a ler e a escrever.

E não basta combatermos o analfabetismo apenas em termos quantitativos. Temos um enorme déficit qualitativo a enfrentar. Afinal, a sociedade moderna exige mais do que entender as letras do alfabeto. É preciso também fazer uso do ler e do escrever para responder às exigências contínuas que a sociedade nos impõe. Como propõe o educador brasileiro Paulo Freire, “a alfabetização é mais, muito mais, que ler e escrever. É a habilidade de ler o mundo, é a habilidade de continuar aprendendo e é a chave da porta do conhecimento”.
 
Vem daí a criação, nos anos 1980, no Brasil, do termo “letramento”, para dar conta da ampliação do sentido de alfabetização, como um conhecimento em construção. Ainda que não haja uma definição única e unânime de seu sentido, é possível pensarmos numa síntese. Nas sociedades letradas contemporâneas, a leitura e a escrita são bens culturais cujo acesso deve ser propiciado aos indivíduos, bem como a sua participação efetiva. Ler é um processo que envolve também a construção da interpretação de textos, assim como escrever implica a capacidade de comunicar-se adequadamente com um leitor em potencial: é um processo de expressão de ideias e de organização do pensamento sob a forma escrita.
 
Somente o fato de uma pessoa ser alfabetizada não garante que ela seja letrada. Também não significa que ser alfabetizada e letrada garanta o pleno exercício da cidadania. Mas, sem dúvida, há uma forte correlação entre letramento, alfabetização, escolarização e educação.
 
A leitura e a escrita são habilidades individuais, mas que precisam ser ensinadas e aprendidas. Nesse sentido, a escola é o local privilegiado, ainda que não exclusivo, para aquisição desse conhecimento. Indicadores como Inaf têm buscado identificar habilidades de letramento, relacionando o grau de instrução com os níveis de letramento.
 
Na história da educação brasileira, houve um tempo em que não saber ler e escrever era considerado como uma ignorância particular. Mas hoje se percebe que essa falta é reconhecida como uma necessidade social e política prioritária, com a decorrente demanda por um projeto de educação escolar e de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita. Logo, o letramento pode ser tomado como um importante eixo articulador de todo o currículo da educação básica.
 
O momento, portanto, é oportuno para demandarmos aos poderes públicos a adoção de políticas que considerem o letramento e a educação escolar como conceitos e práticas relacionadas e complementares entre si, para avançarmos na conquista de direitos humanos básicos e que devem ser igualmente acessíveis a todos os brasileiros, para o pleno exercício da cidadania.